Era Uma Vez em Tagaçaba


















 Quando mergulhamos no passado folheando algumas páginas  da nossa vida é difícil de acreditar que já fomos capazes de suportarmos   tantos obstáculos. Uma varredura naqueles tempos já distantes nos faz reviver momentos jamais esquecidos. Sim é possível viajar no tempo, basta ter uma boa memória. Apesar de todas as dificuldades que eu e minha família passávamos, há memórias saborosas que às vezes inundam a tela da minha mente. Algumas delas eu vou registrar nessa compilação de textos que eu entitulei: "Era Uma Vez em Tagaçaba". 



Passeando de Ônibus Pela Primeira Vez


Lembro bem quando eu, a mãe e os irmãos pegávamos o ônibus da Sul Americana pra irmos à Paranaguá. Não esqueço da primeira vez em que eu entrei num ônibus para viajar. Uma sensação incrível. Ir para a cidade mexia com os meus sentimentos. Tudo era novidade para uma criança criada na zona rural sem televisão e Internet. Mas nunca me agradou  ficar distante da minha Tagaçaba por muito tempo.  Hoje eu sei do privilégio que foi ter nascido naquele lugar  tão próximo da natureza. 


Sufoco no Ônibus da Sul Americana 


Depois de alguns dias em Paranaguá, chegava a hora de retornar  á Tagaçaba. Pela frente alguns desafios. No verão o calor sufocante dentro de um ônibus lotado era uma experiência nem um pouco agradável. Muito pó da estrada,  quando o ônibus parava o pó tomava conta de tudo.  Fumaça de cigarro, suor e  fedor de sovaco tudo junto,   dava até ânsia de vomito...e a gente vomitava mesmo.


Dentro de um ônibus que sacudia tanto quanto   um barco em mar revolto o estômago revirava e a cabeça girava junto. Eu nunca me acostumei com aquilo. Eu tentava me concentrar nas paisagens, isso quando conseguia uma janela, caso contrário a viagem parecia interminável. Quando eu conseguia uma não tirava os olhos de cada detalhe ao longo da estrada.  Aquelas casas tão simples e aqueles olhares de pessoas tão sofridas.


Quando chegávamos ao vilarejo do Potinga eu sentia  um certo alivio.  - "Ah meu Deus! Estamos perto de casa."  A viagem seguia e logo estávamos  na estradinha  para o Tagaçaba de Cima.  Lembrei agora do rio Capivari, que lugar lindo aquele. Como era gostoso ouvir o sussurro das águas e caminhar por ele sentindo as pedrinhas arredondadas massageando os pés, era bom demais.


Mas até chegar ao Porto da Linha (Tagaçaba de Baixo) havia uns 10 quilômetros a percorrer. 

Lembro da casa do Joaquim Claro, de um caminho para a casa do  Seu Otávio, do Didimo.  Também tinha a casa do Arsênio Miranda, do Zeca e outros que faziam parte do caminho. Ah também lembro do caminho pra chegar a casa do Natanael, que a gente chamava de tio, mas na verdade era só primo do meu pai. Ele tinha uma casa bem embrenhada na mata que de vez em quando nós visitávamos. 


Que alivio quando finalmente chegávamos em casa,  na nossa velha  casa, que por dezenas de anos nos abrigava e acolhia de estação em estação. Um casarão abençoado. 

Geralmente estávamos mortos de fome. A mãe corria pra fazer uma janta, fazer um café, uma farofa...era bom, muito bom. Como não havia banheiro dentro de casa (nem fora), depois de uma viagem cansativa a gente dormia sem tomar banho em cima de uma esteira feita de junco e era tudo uma maravilha. 


Depois de uma noite bem dorrmida, a passarada, a galinhada e claro, o galo, nos acordavam pela manhã.  Logo dava  pra ouvir o som do machado rachando lenha. Era a mamãe...forte, corada, suada, em pleno vapor. Minha irmã Marlene estava sempre em alta rotação também, pra lá e pra cá.  Era comum vê-la bombando  água do poço pra encher uns baldes,  depois alimentava as galinhas e se mandava pra roça. Vida dura.

Marlene sempre está presente nas memórias da minha infância. Claro que o meu cunhado Eurimil também.  Aprendíamos muita coisa com ele.  



Brincadeiras de Crianças


Eu, meus irmãos e meus sobrinhos brincávamos  se espalhando pelo terreno no meio das bananeiras, correndo sempre o risco de ser picado por uma Jararaca, Jararacuçu e outras. Uma aventura dia sim e outro também.

Eu e meus irmãos muitas vezes brincávamos em baixo da nossa casa. Tinha um bom espaço pra gente brincar. Qualquer objeto era transformado em brinquedo. As latas de leite Ninho eram transformadas em carrinhos. As latas de sardinha viravam patrolas que usávamos para levar terra pra lá e pra cá. As bananas verdes viraram vaquinhas e bois (risos). Enfim, vivemos lá uma infância maravilhosa.


Árvores Inesquecíveis 


Algumas árvores também estão presentes na memória da minha infância.  Havia um Guapuruvu  lindo no fundo do nosso quintal, acho que era  a árvore preferida da minha mãe.

Havia uma Jacataúva enorme bem próxima de casa, toda vez que caia uma tempestade eu sempre ficava com medo que ela caísse sobre a casa. O pé de Murta ao lado da porta é outra imagem marcante. As árvores frutíferas eram abundantes por lá: Laranja mimosa (mexerica), Jabuticaba, Goiaba, Grumixama, cana de açúcar,   bananas variadas (caturra, da terra ou Maranhão, ouro, cinza, maçã).



Café da Manhã 


O cheiro do café sempre me acordava junto com o cantar do galo. Gostava muito de banana assada na chapa do fogão a lenha, mas também gostava de mandioca, o inhame, a batata doce e banana ouro no café da manhã. Mamãe também fazia polenta, às vezes ela colocava umas bananas e ficava uma polenta adocicada muito gostosa. Outra mistura que eu adorava era quando a mãe fazia uma massa colocava a banana dentro e fritava...delícia. 


Numa Noite de frio  (Fiz Xixi na cama 😁)


Lembro de uma noite muito gelada em especial. 

De vez em quando a gente passava muito frio lá.  Eu e meus irmãos não tínhamos roupas quentes para enfrentar um inverno intenso, afinal o clima no lugar normalmente era temperado. Claro que no verão a temperatura era alta mas, bem suportável. 

Naquela noite fomos cedo pra cama. A mãe colocava uma esteira de fibra natural (junco) no chão e a noite de sono geralmente era muito boa.

De madrugada acordei com muita vontade de fazer xixi. Eu estava imóvel, temperatura congelante. Fui segurando, segurando, até que...

já era. De repente senti aquele líquido quentinho descendo lentamente (risos). Em alguns minutos  parecia que eu estava encharcado com água fria...uiuiuiui...que frio!

Aí me levantei tirei a bermuda, joguei-a num canto silenciosamente pra não acordar  ninguém . Me enrolei no cobertor e voltei a dormir como um anjinho.  

Pela manhã acordei com a mão me perguntando: "Você mijou na cama?" (risos)


A Água Batendo na Porta


Foram muitas enchentes que eu presenciei na minha infância. Como criança eu via a preocupação dos adultos e ficava assustado. Se falava das galinhas, dos prejuízos causados pela enchente destruindo cercas e plantações. Mas quando as águas barrentas chegavam eu queria me divertir. Gostava de andar de canoa vendo as águas levando galhos de árvores, madeira velha, troncos de bananeiras e até algumas cobras. isso me causava pavor ao andar no meio da inundação. Ruim mesmo era o lamaçal que se formava dificultando a nossa caminhada. Ficar sem água pra beber também era meu receio...mas geralmente a minha mãe armazenava uns baldes com água já antevendo o que viria. Quando as águas baixaram era a hora de verificar os danos causados pela enchente.


O Luar Tagaçabano


Vou descrever um tempo em que não havia luz elétrica em Tagaçaba.  A iluminação em casa era através de um lampião movido a querosene e outro movido a gás. Também usávamos velas nos quartos. 

As noites de luar eram lindas. Quando as folhas das bananeiras tremulavam  ŕefletindo a luz da Lua pareciam folhas de prata...inesquecível. 


Papai Vem  Hoje


Em função da sua  profissão papai sempre estava longe de casa. Nós não entendamos muito o porquê da sua ausência, mas estavamos acostumados.  Porém quando a mãe dizia: "O pai vem hoje!" Confesso que me alegrava. Ele sempre trazia um pacote de balas, bolachas, umas linguiças (risos) e pães.  Eu gostava muito de ver papai tocando bandolim....era um momento em que ele expressava um rosto feliz. 


Tempo de Eleição 


Ah como eram animados aqueles dias em que papai recepcionava tantas pessoas lá em casa, dias de campanha eleitoral. A casa estava sempre cheia de Tagaçabanos, coitada da mãe, incansável, cozinhando e fazendo café pra atender aquelas pessoas.

Um dia eu vi chegar umas caixas (engradados) com umas garrafas pequenas de vidro e fiquei muito curioso. Ficava pensando o que era aquilo...foi a primeira vez que eu e meus irmãos estávamos frente à frente com garrafas de refrigerante. Eram  garrafas de guaraná da Antártica. Até lembro a primeira vez que provei um. Para mantê-los fresquinhos no verão de Tagaçaba, eram colocados no fundo do poço. Lembro também que o pai mandava matar um porco ou um boi para oferecer carne aos seus eleitores. 

Teve um dia em que um boi estava amarrado e fugiu  se embrenhando no meio do bananal...não lembro se conseguiram laçá-lo e trazê-lo de volta. É, assim eram aqueles dias, obrigado pai, obrigado minha mãe.


Comentários